Glossário
Quando começamos a nos aventurar no universo da Teoria Literária, entramos em contato com inúmeros conceitos que, à primeira vista, parecem códigos indecifráveis. Pensando nisso, criamos um pequeno glossário a partir das principais dúvidas apontadas pela comunidade acadêmica, graças ao empenho dos bolsistas Erick Bernardes, Felício Dias, Aídes José Gremião, Carolina Pina, Carla Ferreira, Julia Guimarães e André Camargo.
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Alegoria. Do grego allegoría, que equivale a “dizer o outro”, caracteriza-se como uma figura de linguagem que diz respeito ao processo de atribuição de significado a objetos/obras de arte por meio de um sentido que não seja o literal. Dito isto, é preciso discernir tal figura de linguagem tanto da metáfora quanto do símbolo. Quando falamos em ‘sentido literal’ também levamos em consideração as possíveis construções de significados comuns a uma dada sociedade / cultura. Ao lançarmos mão das distintas metáforas e símbolos que uma flor pode assumir, indiscutivelmente partimos de um conhecimento comum. Em uma frase como “ela é linda como uma flor”, vemos tanto o uso de uma metáfora (que permite um paralelo e, de certa forma, uma extensão da beleza da mulher com / a beleza de uma flor) quanto uma construção simbólica, já que, no bojo de nossa sociedade, a ideia de beleza atrelada à ideia de uma flor é um paralelo recorrente. Logo, estabeleceu-se uma metáfora, ao passo em que se utilizou uma construção simbólica. Em relação ao símbolo, o mesmo acontece quando se fala de uma pomba branca, em que nos ocorre uma lembrança da paz, ou com a caveira, com a ideia de morte. Portanto, o símbolo é imanente à relação cultural pré-estabelecida. Já a alegoria, promove uma construção de sentido dissociada de um conhecimento a priori comum. Além disso, esta figura de linguagem só pode existir através de uma relação contextual. Basta, para vermos exemplificado, observarmos o famoso livro de Charles Baudelaire, intitulado As flores do mal. Além de deslocar o sentido habitual que se confere à flor, este título pouco sugere de seus variados significados se visto isoladamente, isto é, separado do contexto enunciativo do restante dos livros do autor e dos livros em geral. De outra forma, se observarmos os poemas ali reunidos, veremos que a alegoria das flores é estabelecida a partir de algumas claves temáticas que, embora mantenham uma relação semântica entre si, permitem vários horizontes de leitura. Com isto, desembocamos em outro aspecto da alegoria: ela não se presentifica por meio de um sentido mínimo e fixo, como no símbolo e na metáfora, mas através de construções ideológicas que, mesmo apontando caminhos possíveis de significação, nunca imbrica a ideia exata da coisa de que trata. Um outro exemplo interessante é a “Estátua de Araribóia”, situada na cidade de Niterói, de frente para a estação das barcas. Esta estátua configura-se como uma alegoria, pois é uma construção significativa que representa o cacique Araribóia. Ao tentar ressignificar a figura deste cacique, construiu-se uma estátua e atribuiu-se no nome deste cacique a uma imagem próxima da noção estética de um índio. Por meio da história subjacente a esta escultura, sabemos da importância deste cacique para a criação desta cidade. Porém, todos esses sentidos não são palpáveis em uma observação somente da imagem da estátua. Precisa-se saber a quem ela remete (o procedimento de nomear) e, a depender do conhecimento prévio de cada observador, especular sobre as possibilidades significativas por detrás daquela escultura. A alegoria é este algo que, diferente do símbolo e da metáfora, vai além de, muito embora possa haver uma concomitância dessas e outras figuras no processo de alegorização. Esta é uma explicação didática sobre o termo, que o os leitores poderão expandir ou aprofundar em obras como Dicionário de termos literários, de Carlos Ceia (http://www.edtl.com.pt/business-directory/6590/alegoria/), ou no Dicionário de termos literários, de Massaud Moisés (Editora Cultrix). Algumas considerações de Walter Benjamin em Origem do drama barroco alemão (Editora Brasiliense) são indispensáveis ao aprofundamento da alegoria. (Por: Aídes José Gremião Neto).
Alteridade. Noção ou percepção do outro. Distinção de outrem baseado na própria individualidade, cujo mundo subjetivo encontrará seu reconhecimento pela atribuição do espaço ocupado pelo outro. Também conhecido como outridade, na literatura, este artifício tem se mostrado um campo de expressão das diferenças, pois foge dos padrões comumentes aceitos pela cultura ocidental. No romance Nove noites, de Bernardo Carvalho, por exemplo, os índios habitantes da selva amazônica em nada se assemelham aos estereótipos românticos nem ao idealismo de retrato. Suas artimanhas e facilidades para inventar histórias e confundir o personagem e narrador do romance ilustram bem a noção de alteridade como desconstrução de estereótipos acerca do outro para que este outra possa surgir em suas peculiaridades e diferenças: “Pergunte aos índios. Qualquer coisa. O que primeiro lhe passar pela cabeça. E amanhã, ao acordar, faça de novo a mesma pergunta. E depois de amanhã, mais uma vez. Sempre a mesma pergunta. E a cada dia receberá uma resposta diferente”. Assim, a tentativa de dar voz aos excluídos também se apresenta como um recurso narrativo, ou uma tentativa de fugir do reducionismo do discurso estereotipado, em que o diferente é sempre o outro. (Por: Erick da Silva Bernardes).
Analepse: Tipo de anacronia narrativa. Também chamada de anacronia por retrospecção. Consiste em contar um acontecimento depois do momento em que ele normalmente se situa na ficção. A analepse tem frequentemente um valor explicativo, o qual tem por finalidade esclarecer o passado de uma personagem, contar aquilo que a precedeu. Em Nove noites, de Bernardo Carvalho, por exemplo, é um recurso que serve para situar o leitor no passado histórico recriado ficcionalmente. (Por: Felício Dias)
Anomia. Termo da Sociologia cunhado por Émile Durkheim, que representa o enfraquecimento das relações sociais e descontrole da sociedade no regulamento de seus indivíduos. Para Durkheim, essa etapa anômica consiste no afastamento das regras sociais, sendo superada quando os valores obsoletos são substituídos por novos valores. Uma exímia representação desse termo sociológico consta no romance O filho da mãe, de Bernardo Carvalho, em que o espaço ficcional situa-se, predominantemente, em São Petersburgo, no período da Segunda Guerra Tchetchênia. A sociedade tchetchena é descrita como um mundo organizado às avessas e isso se reflete na figura das matriarcas do romance, principais responsáveis pelo sentimento de perda e desamparo experimentados pelos personagens centrais, Ruslan e Andrei. A sociedade ficcionalizada por Carvalho se choca com o diferente, traduzido pela imagem da quimera – seres híbridos que representam o indivíduo destoante do padrão socialmente aceito. A ação do Estado se mostra ora ineficiente, ora truculenta, diante da complexidade das relações sociais. A anomia, destarte, pode ser verificada no momento em que a sociabilidade humana está exposta à ameaça de uma transformação destrutiva. (Carla Ferreira dos Santos Oliveira).
Autobiografia ficcional. Autobiografia. Autoficção. A autobiografia ficcional se caracteriza como uma obra que o autor produz tendo como temática sua própria vivência, mas que em sua elaboração há a inserção clara de elementos da ordem do imaginário, não se valendo fielmente do dado biográfico. A construção que se reconhece ficcional, por sua vez, impedirá a referência direta a determinados acontecimentos que, se não estivessem sob o prisma ficcional, poderiam ser comprovados como verossímeis (semelhantes) a esse referente extratextual através de dados (documentos). Cabe apontar, que essas subdivisões de gênero em nada delimitam a interseção entre os mesmos, uma vez que eles se apresentam por meio de um aspecto híbrido. Um bom exemplo dessa hibridização pode ser visto na relação entre autobiografia ficcional, autobiografia e autoficção, pois não se pode saber, ao certo, onde se opera o limite entre ambos. Sabe-se que na autobiografia há uma referência a fatos do mundo extratextual que, não podendo ser inteiramente (re) formulados na escrita, situam-se em um jogo de referências a partir de um fingimento, em que o autor é responsável pela própria escrita de/sobre sua vida. Neste tipo de texto, o autor busca aproximar-se da ideia de sua própria experiência, respeitando os limites de significação extratextual, mais do que a ilusão de representar parte do mundo empírico experimentado tal qual é, através do (ilusório?) reconhecimento de sua voz (autoral). A autobiografia ficcional, como dissemos, ainda que mantendo um nível de referência com o real possui, no que se refere à sucessão de fatos, mais relação com um real cuidadosamente imaginado do que com aquele que, por meio de documentos, refere-se ao mundo extratextual. Já a autoficção é uma mescla que o autor elabora, de referências factuais – as quais fazem parte do repertório de vivência empírica dele – e do aspecto imaginário, que lhe permite fazer a mistura desses elementos na ficção sem que nenhum desses fatores possa ser distinguido. Neste tipo de construção estética, alguns aspectos da vida do autor estão envolvidos, em meio à trama, na qual não se pode saber onde se dá a ultrapassagem ou o equilíbrio entre tais vivências e a criação imaginativa. Geralmente, na literatura contemporânea, a autoficção é uma ferramenta usada, dentre outras coisas, para pôr em questão a relação entre homem, experiência e linguagem. (Por: Aídes José Gremião Neto)
Autor e scriptor: Autor é o conceito tradicional para definir o indivíduo que escreve, sejam seus textos literários ou não. No entanto, para a teoria barthesiana essa ideia não é mais válida. Em sua “A morte do autor”, Barthes diminui o autor ao fundo da cena literária e o liberta do conceito de “Autor-Deus” que, agora, não é mais uma entidade maior da palavra, mas se encontra em um espaço de escritas variadas, porém não originais e, por conseguinte, passa a imitar escritas anteriores e nunca originais. Para Barthes, o autor já não mais possui a capacidade de criação e, então, seu papel é o de misturar as escritas, mas nunca se apoiar nelas ou criá-las. Assim, surge o scriptor, que tem a única função de consultar uma escrita e reproduzi-la a partir de algo já criado ou mesmo partindo da influência de leituras anteriores. (Por: Felício Dias)
Campo intelectual. Na seara dos estudos linguísticos, noção cunhada por Pierre Bourdieu, bem exemplificada no ensaio “Campo intelectual e projeto criador”, em que o sociólogo designa um conjunto de relações que se estabelecem no local / esfera (física e ideológica) dos intelectuais. O termo trata antes de uma dimensão intercambial lata do que de um recorte restrito daquilo ou daqueles que podemos considerar ‘intelectuais’. Em outras palavras, o termo ‘campo’ esgarça o horizonte do conceito de intelectual, já que é ideia abrangente, ao mesmo tempo implicando significando a proximidade com a coisa a que se refere e a amplitude semântica que esta mesma ‘coisa’ pode assumir dentro das suas mais diversas manifestações possíveis. Portanto, com ‘campo intelectual’ podemos nos referir a instituições e agentes que participam direta ou indiretamente da produção intelectual e das relações intelectuais desenvolvidas no campo por professores e / ou pesquisadores, escritores, jornalistas, historiadores, leitores críticos, e por meio de produção de trabalhos acadêmicos, ensaios ou realização de eventos que fomentam discussões críticas. (Por: Aídes José Gremião Neto).
Catarse. Termo de origem grega estendido a diversos ramos do conhecimento, como Medicina, Filosofia, Literatura traduzido comumente por “purificação”. Sua representação literária alude ao efeito do texto no leitor. A catarse, termo advindo do grego kathársis, que significar “purgar”, se configura como um efeito estético que consiste na purificação por meio do objeto literário. Ao indentificar-se com o objeto artístico, o sujeito transita para um novo plano enunciativo, experimentando o terror e a piedade. No caso da tragédia, vemos a ação voltada às forças que proporcionam a liberação dos elementos geradores do desequilíbrio. Uma das autoras reconhecidas pelo processo catártico produzido por suas obras é a romancista Clarice Lispector. Em sua obra, o leitor é submetido a uma introspecção do sujeito, levado à epifania, isto é, à revelação de algo supostamente oculto à sua verdade. (Carla Ferreira dos Santos Oliveira).
Contemporâneo: termo ambivalente de difícil sistematização. Em seu sentido usual, trata, dentre outras possibilidades, dos fatos atuais e do que está na moda. Para os estudos das Humanidades, ou ainda mais restritamente, para a área da literatura o termo “contemporâneo” se refere às produções estéticas que trazem imiscuídas em sua estrutura uma série de ideias que se fixaram e fortaleceram desde a década de 1950/1960. Tal restrição temporal não pode ser sistematizada com tamanha precisão. No entanto, por uma questão didática, optamos por situar este ‘conjunto de ideias’ em meados do século XX – período de mudanças globais acentuadas pelo desenvolvimento técnico. Afinal, o que é o contemporâneo é a pergunta que o filósofo Giorgio Agamben, em um ensaio de mesmo título, tenta responder. A literatura contemporânea, em primeiro lugar, traz imbricada em si a consciência de uma relação tênue e intensa com o passado. Na estrutura da obra de arte há um entrelaçamento temporal de presente, passado e futuro de modo a criar um sujeito que se delineia multifacetado, um sujeito que não acredita, nem no passado como constructo fechado que deságua numa redenção, nem no futuro como crença de ‘evolução’. O discurso literário, partindo de uma dicção autorreflexiva de suas bases enunciativas, abre caminhos para questionamentos e diálogos de várias ordens. A esta noção de contemporaneidade estão subjacentes diversas outras questões culturais, históricas e políticas. Todas essas acepções atreladas ao contemporâneo, e que se estendem a diversas áreas do saber, têm um ponto comum: a relação homem / mundo, que pode ser subscrita no binômio homem / discurso. (Re) dimensionando a mímesis aristotélica, tais produções criam um panorama crítico / reflexivo sobre a relação ético-planetária do homem com o mundo circundante. Além deste conceito estrito, podem ser consideradas literatura contemporânea as produções feitas no aqui e agora, isto é, os materiais literários surgidos recentemente em relação ao nosso presente. Para um estudo mais aprofundado, a leitura do ensaio supracitado de Giorgio Agamben e do volume intitulado Poética do pós-modernismo, da estudiosa canadense Linda Hutcheon são duas boas fontes de pesquisa. Além de inúmeros outros estudos importantes, o livro da Beatriz Sarlo, Tempo passado, cultura da memória e guinada subjetiva e Discurso literário, de Dominique Maingueneau completam uma pequena listas de ensaios importantes sobre o termo. (Por: Aídes José Gremião Neto).
Crítica literária: Termo designativo dos textos que se preocupam em discutir o discurso literário ou opinião valorativa sobre as obras literárias. Costuma-se atribuir à crítica o papel de avaliar ou apreciar os textos considerados dignos de serem lidos, bem como seus impactos e efeitos sobre o leitor. Caberia à crítica literária, na opinião de Antoine Compagnon, em O demônio da teoria, acentuar a experiência da leitura, isto é, descrever, interpretar, avaliar, julgar, proceder “por simpatia (ou antipatia), por identificação ou projeção: seu lugar é o salão, do qual a imprensa é a metamorfose, não a universidade; sua primeira forma é a conversação”. Sabe-se que Graciliano Ramos, além de romancista, cronista, contista, dentre outras competências como escritor, foi um crítico literário (inclusive dele mesmo) reconhecidamente exigente, no que tange o discurso ficcional. Em Memórias do cárcere, ele nos diz que: “certos escritores se desculpam de não haverem forjado coisas excelentes por falta de liberdade – talvez ingênuo recurso de justificar inépcia ou preguiça. Liberdade completa ninguém desfruta: começamos oprimidos pela sintaxe e acabamos às voltas com a delegacia de ordem política e social, mas, nos estreitos limites a que nos coagem a gramática e a lei, ainda nos podemos mexer”. Nesse sentido, é preciso discutir a opinião corrente de bom ou ruim, o que é considerado pela crítica como objeto literário de valor ou não. Assim, o interesse pela noção de “bom gosto” da obra literária está sempre balizada por uma comunidade interpretativa legitimada pelas afirmações da própria crítica, a saber, uma comunidade ao mesmo tempo canonizada e canonizante. A crítica é, assim, circundada por esquemas ideológicos e efeitos de sentido que não são naturais do objeto que ela estuda e avalia, mas pelas convenções sociais, de grupo ou grupos de interesses. A tarefa do crítico é sempre agir dentro de um campo cultural específico, visando a desconstruí-lo, transformá-lo ou mesmo ratificá-lo. (Por: Erick da Silva Bernardes).
Diário. O diário é um tipo de gênero textual recorrente na literatura contemporânea. Neste gênero, o emissor, na maioria das vezes, torna-se o próprio interlocutor, redigindo para si próprio, sem seguir uma forma rígida em seu texto. O uso da primeira pessoa e também a utilização do vocativo são marcas predominantes nesses tipos de gêneros textuais. É comum encontrar em sua temática narrativas em que as personagens registram suas ideias e opiniões sobre o cotidiano. É importante ressaltar que no gênero diário há obras como O diário de Anne Frank, cuja trama gira em torno de uma menina judia que registra sua vida e a de sua família, isoladas em um esconderijo na Holanda, durante a Segunda Guerra Mundial, mesclando relatos pessoais a acontecimentos históricos. Sendo assim, é comum encontrarmos obras com um cunho testemunhal, em que os discursos memorialistas fazem parte de uma fragmentação das experiências vividas pelas personagens. (Carolina Pina Rodrigues Maciel).
Diegese: A diegese é o conjunto de ações dentro de uma narrativa que abrange a noção de tempo e espaço em que a trama decorre. A diegese está relacionada ao que acontece no contexto da ação por parte dos personagens inseridos em uma história narrada ou, também, na dimensão espacial e cronológica dentro do ambiente ficcional. Na narrativa, o conceito de diegese recebe diferentes designações conforme o posicionamento do narrador e, assim, podendo ele ser autodiegético, homodiegético e heterodiegético. (Por: FelícioDias)
Distopia. O discurso distópico, ou antiutopia, compõe-se de narrativas ficcionais contrárias ao pensamento utópico. Na literatura, os romances distópicos podem apresentar governos totalitaristas e ditatoriais, em que os indivíduos não encontram liberdade em seus grupos sociais, como na obra 1984, do britânico George Orwell, que apresenta uma sociedade dominada por um regime político totalitário. Algumas obras distópicas ironizam a utopia de uma sociedade perfeita, mostrando um futuro pós-apocalíptico no qual a sociedade está devastada devido às consequências de ações humanas no passado. Atualmente, podemos encontrar, tanto na literatura quanto no cinema, obras que tratam do gênero distópico. A franquia juvenil Jogos vorazes é um exemplo de distopia contemporânea, ao acompanhar a história de uma protagonista que vive em uma sociedade pós-apocalíptica dominada por um governo tecnologicamente desenvolvido e ditatorial. (Carolina Pina Rodrigues Maciel).
Ensaio: O termo ensaio origina-se do Latim (exagium: ação de pensar) e designa um tipo de texto literário que abrange qualquer área do conhecimento. Ainda que pertencente ao gênero da prosa, o ensaio pode ser redigido em versos. Este termo, na acepção aqui discutida, teve sua ascensão com Montaigne, em 1580, quando este nomeou seus escritos de Essais (Francês). O ensaio não possui formas amarradas, se manifestando antes como diálogo crítico entre autor e leitor do que como tese científica que tende a provar suas máximas. No ensaio, alguns teóricos defendem a ideia de que ele se estabelece por meio de uma discussão pautada por um olhar subjetivo, sem a preocupação com a robustez da linguagem, sobre um assunto qualquer, que tende a ser desenvolvido a partir de um ponto de vista fundamentado numa certa lógica. Assim, o ensaio busca uma possibilidade de acerto, por meio de um olhar diferente, possuindo fundamentalmente um caráter expositivo das ideias. (Por: Aídes José Gremião Neto)
Espaço. Em literatura, compreende-se o conjunto de referências que abarcam a noção de tamanho e/ou extensão. Apresenta-se, em geral, conjuntamente à noção de tempo e às relações de personagens e formas de objetos, natureza, cenário, paisagem, ambiente e território, que compõem o tecido discursivo e convergem para a compreensão do termo espaço. Muitos falam de ambiente, ao invés de espaço, destinando este último a áreas geográficas, ou espaços sociais, econômicos, políticos etc., de que tratam as obras. É exemplo dessa noção espacial confundida com a questão do ambiente o trecho de Caetés, de Graciliano Ramos: “Uma estranha doçura me invadia, dissipava os aborrecimentos que fervilhavam nesta vida pacata, vagarosamente arrastada entre o escritório e a folha hebdomadária de padre Atanásio. Os velhos móveis, as paredes altas escuras, quadros que não se distinguiam na claridade vaga das lâmpadas de abat-jour espesso, que uma rendilha pardacenta reveste, tudo me dava sossego. Fugiam-me os pensamentos e desejos [...] E Clementina, de cabeça à banda, procurava os cantos e esfregava-se nas ombreiras das portas”. Concluindo, a noção geral de espaço é resultado da descrição textual, a saber, dos referentes ou propriedades situacionais que circundam os personagens, definindo assim o espaço como uma categoria narrativa, junto ao tempo e ao sujeito, embora haja presença do espaço nas demais formas literárias. (Por: Erick da Silva Bernardes).
Estruturalismo: A crítica estrutural, como sua própria nomenclatura insinua, caracteriza-se por deter-se numa abordagem sistemática de especulação da estrutura do discurso literário. Os estruturalistas preocupavam-se, antes de tudo, com a estrutura do texto literário em torno da qual o texto literário girava. Se em um conto, como por exemplo, “O enfermeiro”, de Machado de Assis, uma interpretação mais filosófica do literário pode estabelecer uma discussão acerca da condição humana, na perspectiva dos estruturalistas, o conto seria um pretexto para fazer presente dada estrutura e qualquer tipo de articulação da linguagem funciona em detrimento desta determinada estrutura. Preocupados em elaborar uma espécie de gramática estrutural dos textos literários, na qual fosse possível englobar de maneira universalizante as formas estruturantes das narrativas – formas essas com as quais o autor certamente teria com que lidar –, esses críticos elaboravam um exame sistemático e particular das obras, encarando-as como um objeto que é o resultado de uma particularização de estruturas possíveis. Os estruturalistas acreditavam, pois, que o texto literário era formado por um conjunto implícito de procedimentos que o delimitavam como tal. Dentre os principais representantes da crítica estruturalista podemos Roland Barthes – que passou por várias fases em sua carreira de crítico e teórico – e Tzvetan Todorov. Mesmo com todas as restrições de abordagem dessa vertente, é válido ressaltar sua importância, principalmente para a narratologia, pois os críticos dessa corrente nos deixaram um repertório vasto de termos literários, dentre os quais podemos citar as funções integrativas, os índices, as funções cardiais, as catálises, as funções distribucionais, dentre outros. No entanto, os estruturalistas pecaram muito ao atribuir valor às obras literárias, já que eles afirmavam que elas se caracterizavam por um conjunto abstrato específico que, sendo como tal, explicava as razões da ‘beleza’ deste discurso e, consequentemente, esqueciam toda e esfera extratextual inerente ao texto literário. (Por: Aídes José Gremião Neto)
Fala. Ato de comunicação oral por meio de uma determinada língua. Quando se pensa em fala, é inevitável deixarmos de pensar em uma relação dialógica, ou ainda, em um dado contextual. A fala é, portanto, é o ato locutório que se manifesta em uma dada língua. A famosa distinção de Ferdinand de Saussure entre língua como um fenômeno socialmente construído e fala, manifestação individual da língua nos sujeitos, é uma das referências iniciais indispensáveis para o estudo do termo. (Por: Aídes José Gremião Neto).
Focalização. Refere-se ao ponto de vista, ou melhor, ao posicionamento daquele que está narrando em relação à ação – seja ele personagem ou não. A focalização se fixa em quem conta a história, naquele elemento da narração que media os acontecimentos apresentados aos leitores e que, portanto, detém o domínio da ficção. Não se deve pensar que a focalização encontra-se no autor, pois o narrador é uma espécie de “instância” criada pelo autor a partir de um caráter ficcional. Assim, essa representação ficcional elaborada a partir do foco do narrador se pauta em dois lugares enigmáticos de constante rearticulação: o de origem e destino (narrador e narratário), que resguardam o caráter de encenação da narrativa. Vale ainda apontar o que Annabela Rita pontua no E-Dicionário de Termos Literários: “Não deverá confundir-se com a identidade da instância narrativa, cujas principais coordenadas são o nível narrativo (extra-, intra- ou metadiegético) e a relação com a história (hetero-, homo- ou autodiegética). Independente embora, combina-se com esses aspectos e com a distância narrativa na caracterização do narrador e do seu discurso e na configuração discursiva da ficção”, isto é, a focalização, para realizar-se, independe de um modo específico da diegese; subordina-se, antes de tudo, à perspectiva do narrador, ao próprio ato de narrar, seja de qual modo. De outro modo, podemos dizer que, em linhas gerais, o foco narrativo se encontra na percepção daquele que conta a história, o narrador. E, se o posicionamento do narrador é que determina o foco narrativo, observamos que há três formas de focalização, segundo Gérard Genette: a focalização interna, a focalização externa e a focalização zero. A focalização interna dá-se quando o narrador adota a visão de uma determinada personagem, sabendo todos os seus pensamentos e seguindo a lógica da percepção desta personagem. A focalização externa consiste simplesmente na observação do narrador, quer dizer, naquilo que o narrador vê e, por meio da lógica, depreende dos fatos narrados, sem nunca conhecer além do que transparece na superfície da diegese. Quando há focalização externa, o narrador não conhece o interior das personagens, salvo se estiver explícito por outro modo que não seja a onisciência do narrador. Por fim, a focalização zero, também conhecida como focalização onisciente, se estabelece quando o narrador controla toda a narrativa, desde o interior das personagens até o tempo / sequencialidade da ação. O narrador onisciente possui uma visão abrangente dos fatos e controla a narrativa de acordo com seus critérios e vontades. Este tipo de narrador sempre conhece algo mais do que demonstra saber. É válido dizer que a narrativa moderna não se restringe a nenhum tipo de foco narrativo, podendo haver ocorrência de mais de um tipo de narrador situados em diferentes focos narrativos. Ver ainda, de forma abrangente, mais informações acerca do tema no link: http://www.edtl.com.pt/index.php?option=com_mtree&task=viewlink&link_id=203&Itemid=2). (Por: Aídes José Gremião Neto)
Formalismo Russo: Formalismo Russo designa uma vertente da crítica literária que vingou na Rússia, de 1914 a 1930. De acordo com o dicionário eletrônico de Carlos Ceia, o Formalismo Russo é fruto do trabalho de um grupo de universitários, da faculdade de Moscovo, os quais, em 1914, iniciaram uma série de estudos linguísticos e poéticos dissociados da abordagem tradicional do texto literário. Segundo Ceia, este grupo, que ficou conhecido postumamente como Círculo Linguístico de Moscovo, “veio a receber oportuna colaboração da Sociedade de Estudos da Linguagem Poética (Em russo, OPOIAZ), a partir de 1917”. Seus principais representantes foram Roman Jakobson, Tzvetan Todorov, Viktor Chklovski, Vladimir Propp, Óssip Brik, e Mikhail Bakhtin. Essa corrente literária instaura um método formal que bane aspectos históricos, psicológicos, filosóficos e sociológicos da análise do objeto literário. Assim, os formalistas preocupavam-se em investigar o texto literário a partir de uma descrição do texto em seus termos técnicos com o intuito de formular uma teoria sobre o material literário e delimitá-lo. É a partir daí que surgem dois dos conceitos mais caros aos Formalistas: o de literariedade e o de estranhamento, que, segundo esses críticos, delimitavam as fronteiras entre o que é literário e o que não é. Nesse caminho, o literário seria constituído de toda e qualquer linguagem desautomatizada que, em contraposição à linguagem prosaica, causaria uma espécie de estranhamento. Uma vez que para os formalistas existam aspectos que delimitam a literariedade do texto, esses críticos diriam que, se há uma determinada temática de cunho social sendo retratada no texto literário, por exemplo, ela estaria manifestada através de um trabalho especial com a linguagem que fosse capaz de fazer, necessariamente, o leitor se desestabilizar, saindo de sua zona de conforto, e, automaticamente, iniciando um trabalho de reflexão maior para compreender a ‘linguagem especial’ com a qual ele está lidando. Os formalistas sugeriram que toda a estrutura irônica de um conto, por exemplo, seria fruto de um trabalho arguto com a linguagem, capaz de reter o leitor em um invólucro de desfamiliarização, que nos permite ter uma percepção crua do aspecto moral do homem pelo viés mais sórdido e amargo de suas paixões. Se o conto se estrutura por meio de um diálogo com os leitores, zombando do leitor, por exemplo, como nas obras de Machado de Assis, na perspectiva dos formalistas isso poderia ser explicado como uma técnica do narrador para fazer prevalecer a articulação de tal “linguagem especial”. Para os formalistas, esses recursos narrativos seriam fatores determinantes da literariedade existente nos textos literários, responsáveis por causarem um “estranhamento” ou “desautomatização” no leitor. Vemos, então, que os formalistas conferem ao discurso literário um lugar reservado, lugar este em que a linguagem é tida como de alto valor, já que ela é desautomatizada e tem um poder de causar “estranhamento”. Eles desprezam o fato de que o texto em si é construção de ideologias pois, como jogo de linguagem, apenas aponta caminhos. Além disso, todo texto está imerso numa rede múltipla de percepção, tornando-se vivo na esfera da recepção. É inegável que, se levarmos em consideração a evolução dos estudos acerca da literatura, os formalistas têm seu devido mérito, já que, direta ou indiretamente, ao falar de literariedade, linguagem desautomatizada e estranhamento, já apontavam para uma consciência do jogo de linguagem e de um possível – para eles, claro – efeito causado no leitor. Não se deve negar, que a concepção dos formalistas representou um grande passo para o desenvolvimento da reflexão acerca do material literário. (Por: Aídes José Gremião Neto)
Gêneros literários: Classificação das obras literárias por meio de aspectos formais e categoriais dos textos literários, mediados por parâmetros estéticos historicamente constituídos. São tantos os posicionamentos hoje acerca do objeto literários e suas respectivas classificações, que se mantém, sobremaneira, a questão do gênero sempre em voga, revelando-se um assunto cada vez mais flexível, no que tange à pluralidade de pontos de vista sobre os estudos literários. Ao longo da história muito se discutiu sobre a importância de Aristóteles para a literatura, porém, segundo Antoine Compagnon, em O demônio da teoria para o filósofo alemão Georg W. F. Hegel, Aristóteles produzia história da filosofia. Do mesmo modo, o inglês Sir Willim D. Ross postulava que o filósofo grego, criador da Lógica Menor, de forma alguma definia os parâmetros daquilo que se convencionou chamar de gêneros literários. Na opinião de Vincent Jouve, em Por que estudar literatura, a política de gêneros acerca do objeto literário encontra parte da explicação em um tipo de “feixe de propriedades que, empiricamente, funcionam como critérios de reconhecimento”. Assim, por mais que se fale em liberdade formal à força do desvio dos códigos condicionantes dos gêneros literários, acabamos recorrentemente remetendo ao passado e aos argumentos dicotômicos, no intuito de compará-los ou questioná-los. Enfim, conciliar as trajetórias definidoras acerca dos gêneros literários e suas respectivas classificações têm produzido constantes debates intelectuais para o que se convencionou chamar de literatura. São tantas as reflexões, que mais parecem releituras de posicionamentos passados, exemplos da proporção que o tema pode tomar quando se aborda o problema dos gêneros literários, que é, sem dúvida, também político. (Por: Erick da Silva Bernardes).
Gêneros textuais: Modo de aplicação do discurso em seus variados contextos comunicativos. Entende-se por gêneros textuais as diversas categorias formais definidas pelo emprego da língua em suas múltiplas práticas discursivas. Para Martin-Barbero, em Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia (1997), o gênero textual é uma estratégia de comunicação, bem como um espaço mediado por objetivos e expectativas: “um gênero (textual) é, antes de tudo, uma [...] marca dessa comunicabilidade que o gênero se faz presente e analisável no texto”. Vale ressaltar que os gêneros textuais classificam-se de acordo com seus objetivos e pertinências. Martin-Barbero nos diz que eles “articulam narrativamente as serialidades, constituem uma mediação fundamental entre as lógicas do sistema produtivo e as do sistema de consumo, entre a do formato e a dos modos de ler, dos usos”. Os gêneros textuais podem ser orais ou escritos, de acordo como o assunto e com o interlocutor para qual o texto destina-se. São exemplos de gêneros textuais: romances, contos, artigos de opinião, receitas de culinárias, etc. Há também os gêneros orais, tais como palestras, debates, aulas, dentre outros. (Por: Erick da Silva Bernardes).
Holocausto ou Shoah: Termo referente à perseguição ou extermínio sistemático a um determinado grupo devido a sua identidade ideológica, étnica ou nacional. É derivado do grego e significa “todo queimado”, tendo como referência os sacrifícios judaicos realizados a Deus no Velho Testamento, também chamado de Antiga Aliança. O termo se refere também ao ato de entrega de Jesus, o Cristo crucificado pelos pecados da humanidade como marco do Novo Testamento, ou Nova Aliança. Seu significado moderno alude à perseguição alemã aos considerados povos inferiores, não detentores do DNA ariano. As chamadas literaturas do Holocausto, constituídas de relatos ficcionais do genocídio nazista, surgiram após o final da II Guerra Mundial e gerou grandes controvérsias em seu advento. A representação literária do genocídio era considerada inexequível e inferiormente moral em relação aos relatos históricos. Grandes nomes, como o de Theodor Adorno, defendiam a representação do Holocausto como um problema de cunho ético. No cenário contemporâneo, no entanto, obras como A maçã envenenada, de Michel Laub, integram a categoria literária chamada Literatura de Testemunho, que resgatam ficcionalmente eventos históricos permeados pela guerra, pelo horror e pela eugenia. Nessa espécie do romance contemporâneo, Holocausto refere-se a todas as formas de babárie resultantes da exclusão, extermínio em massa, de guerra e diáspora. Destacamos um fragmento do romance A maçã envenenada, que retrata o massacre de centenas de milhares de ruandenses, em 1994: “[...] A edição brasileira das memórias de Immaculée Illibagiza tem capa cinza e uma foto dela com um pássaro ao fundo, e a penúltima frase de suas mais de trezentas páginas é: acredito que podemos curar Ruanda – e o nosso mundo – curando nossos corações um a um” (LAUB, 2013, p. 89). (Por: Carla Ferreira)
Língua. Código e convenção estabelecidos socialmente para a comunicação. Não devemos achar que as línguas são produções mecânicas preestabelecidas por uma sociedade, já que há a possibilidade de haver uma língua inventada, dissociada de um desenvolvimento histórico. A maioria das línguas, por se constituírem como um produto social da faculdade da linguagem do homem e, consequentemente, por se presentificarem através da enunciação, estão tanto sujeitas a mudanças como também são fruto de desdobramentos históricos. Os pesquisadores, carentes de registros antigos, pouco conhecem sobre as línguas antigas que deram origem à maioria das que hoje conhecemos. Supõe-se que quase todas derivam de uma base comum, o indo-europeu. (Por: Aídes José Gremião Neto).
Literatura de testemunho. O termo “literatura de testemunho” ganha importância no século XX. Este século foi marcado por duas guerras mundiais, genocídios, emergência de regimes ditatoriais e totalitários, dentre tantos eventos terríveis. A literatura de testemunho tem como ponto central a recriação de mundos sustentados por uma experiência dos sujeitos em diálogo com os eventos históricos. Na literatura, o testemunho é uma tematização em que o autor decompõe as estruturas do mundo implantado e as reformula. Este tipo de literatura, em grande parte, possui um cunho biográfico. Segundo Dominique Maingueneau, “[...] o escritor só consegue passar para sua obra uma experiência da vida minada pelo trabalho criativo, já observada na obra”. Sendo assim, podemos perceber que a união entre os acontecimentos da vida e os estágios de criação fazem parte do contexto biográfico do autor. O escritor não só tem a experiência do vivido, mas também é criador de novas experiências, pelo relato. Podemos exemplificar este gênero com a obra Sobrevivi para contar: o poder da fé que me salvou de um massacre, da ruandesa Immaculée Ilibagiza. A obra, que recupera os eventos traumáticos do genocídio em Ruanda, é narrada pela própria Ilibagiza, que passou três meses escondida em um banheiro junto com outras sete mulheres, lutando por sua sobrevivência. Pelos relatos testemunhais, que são escritos de memória, retorna o dado histórico, porém, transfigurado. Encontramos nesses relatos uma verdade possível que, não sendo a experiência, é a ficcionalização desta, possibilidade de restauração das ruínas do passado. Deste modo, a literatura de testemunho, ao ficcionalizar a história não sendo história, dela parte para estabelecer um campo de saberes e um arquivo de memória oriundo do mundo da experiência. (Por: Carolina Pina Rodrigues Maciel)
Locutor e Locutário. Inseridos na Teoria da Enunciação, os termos locutor e locutário foram pensados, primeiramente, pelo psicólogo alemão Karl Buhler. Segundo Buhler, estão implicados no sistema de enunciação, o mundo (conteúdo transmitido), o locutor (aquele que pronuncia) e o locutário (aquele com quem se fala). O sistema de Buhler envolve o ato de significar algo (representação) a partir de alguém e para alguém. Émile Benveniste, subsequentemente aos estudos do psicólogo alemão, retomou os termos da enunciação incorporando aos estudos linguísticos a noção de subjetividade. De acordo com seu postulado, a subjetividade consiste na capacidade do locutor se propor como sujeito do discurso promovendo, concomitantemente, o locutário como receptor do discurso. (Carla Ferreira dos Santos Oliveira).
Memorialismo: Forma narrativa de embasamento histórico ou discurso literário de enredo biográfico. Nesta modalidade, a voz narrativa preocupa-se em contar fatos do passado. Em Infância, de Graciliano Ramos, por exemplo, o enunciador toma-se como referência da própria narrativa, protagoniza a história, em que reelabora acontecimentos vividos em tempos de menino: “Achava-me empoleirado no balcão, abrindo caixas e pacotes, examinando as miudezas da prateleira” (RAMOS, Graciliano. Infância. Rio de Janeiro: MEDIAfashion, 2008, p. 89). (Por: Érick Bernardes)
Metaficção historiográfica: A metaficção historiográfica é um termo criado por Linda Hutcheon (A poetics of postmodernism: history, theory, fiction. New York; London: Routledge, 1988) para designar uma visão crítica da história nunca alcançada antes do pós-modernismo. O pós-modernismo instaura-se sob uma concepção aberta da história tradicional, que se afirmava antes de tudo como um discurso detentor de um paradigma realista dos fatos históricos. A discussão histórica na ficção surgiu com ímpeto no século XIX com o romance histórico, que mantinha constante referência à base histórica durante todo o decorrer da ficção, obedecendo, sobretudo, à factualidade das referências. O período literário moderno, especialmente no século XX, por outro lado, estabelece um pensamento avesso à história, pois, não podendo esta tornar à verdade, tenderia a ser um discurso falso e enganador, com um pseudo-status de verdade. Já o pós-modernismo, introduz a história na ficção, colocando-a, antes, mais na perspectiva dos sujeitos ficcionais do que na voz da história canonizada e que diz refletir uma dada realidade empírica. Neste viés, o pós-modernismo nos aponta para a certeza de que apenas alcançaremos incertezas e impossibilidades de representações “puras” do real. Para tanto, ao introduzir a história na ficção, o autor pós-moderno procura mesclar a história conhecida como real à história favorecida pela verossimilhança interna da ficção, sem compromisso com a verdade empírica. Assim, o autor pós-moderno tenta desconstruir a história por meio da ficção. Em outras palavras, o autor busca nas percepções “reais” os elementos constituintes da ficção, propondo, no ambiente ficcional, uma espécie de paródia da história. Ao fazer isso, a ficção permite a abertura do horizonte do imaginário do leitor, pois este tende a reconhecer os elementos “reais” e, impulsionado pela ficção, elabora uma visão comparativa da história, podendo desvalidar para si mesmo a aura tranquilizadora fornecida pela doxa. Tal paradoxo instituído põe a história fictícia e a história “real” em um plano horizontal, no qual ambas podem inserir-se no presente e no passado. É possível inferir, ainda, que a arte pós-moderna tende a ser didática porque, ao criar uma rede de referência a partir de sua capacidade de representação do real, permite uma reflexão individual e crítica do homem da/com a história. Esta reflexão, por sua vez, gera conhecimento e construção própria de identidade e história móveis, que emergirão a partir de um processo de releitura e reescrita da história. (Por: Aídes José Gremião Neto)
Mímesis ou Mimese: Mimesis (do grego mímesis,”imitação”) designa o ato de imitar; reprodução da natureza. Contido na República de Platão e na Poética de Aristóteles, o conceito de mímesis está ligado à questão da ação e da forma de representação do mundo e da própria natureza. Na Poética de Aristóteles, em que o poeta é um exímio imitador do real, constatamos a mímesis como uma ação também inserida dentro da tragédia, assim aludindo ao conceito de verossimilhança e ao valor catártico na representação. Jacques Derrida aborda o conceito com uma proposta mais radical, pois trata da mímesis como a repetição de algo já feito ou descrito anteriormente, o que ainda se refere à faculdade do ser de imitar, reproduzir ou representar. (Por: Paulo César)
Moderno, Modernidade, Modernismo: O termo Moderno, aplicado à literatura, designa os textos literários que foram produzidos entre o final do século XIX e meados do século XX. Entende-se por Modernidade o período que começa com o Romantismo e o Realismo, expandindo-se na direção dos movimentos de Vanguarda surgidos a partir do período que ficou conhecido na história como Revolução Industrial. Para Alfredo Bosi, a concepção do período moderno marcado pelo advento romântico sob os quadros sócio-culturais foi conhecida pela sensação de inadequação: “O primeiro e maior círculo (que) contorna a civilização no Ocidente que vive as contradições próprias da Revolução Industrial e da burguesia ascendente. Definem-se as classes: a nobreza, há pouco apeada do poder; a grande e a pequena burguesia, o velho campesinato, o operariado crescente. Precisam-se as visões da existência: nostálgica, nos decaídos do Ancien Régime; primeiro eufórica depois prudente, nos novos proprietários; já inquieta e logo libertária nos que veem bloqueada a própria ascensão dentro dos novos quadros; imersa ainda na mudez da inconsciência, naqueles para os quais não soara em 89 a hora da Liberdade-Igualdade-Fraternidade (BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira, São Paulo: Cultrix, 2006, p. 95). Entre os movimentos modernos de vanguarda podemos destacar: Expressionismo, Surrealismo, Dadaísmo, Cubismo e o Futurismo, que privilegiavam o subjetivismo como técnica de produção textual. Seus textos apresentavam narradores e eu-líricos instáveis e caóticos no intuito de evidenciar uma concepção fragmentada da realidade que caracterizava a modernidade. No auge dessa consciência de fragmentação, bem como seus posicionamentos artísticos, traduzidos pela necessidade de mudança dos processos e procedimentos estéticos encontrava-se o Modernismo. O ponto alto do modernismo no Brasil aconteceu com a Semana de Arte Moderna, evento no qual participaram inúmeros artistas que tinham como motivo a “antropofagia” literária. O encontro entre Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, Guilherme de Almeida, Manuel Bandeira, dentre outros, ocorreu no Teatro Municipal de São Paulo e ficou conhecido na literatura como “Semana de 22”, cujo alvo do movimento era fazer uma arte “genuinamente brasileira”. O Manifesto Antropofágico foi um marco não só para a arte brasileira, mas para a história da nação que almejava alcançar pela “ruminação” sua estética própria. Segundo os escopos e livros didáticos de literatura brasileira, Graciliano Ramos encontra-se no rol de escritores considerados pertencentes à segunda fase do Modernismo. Sua poética insere-se no contexto sociocultural da década de 1930. Naquela época, seu fazer literário era evidentemente modernista por conta de seu engajamento político, pois criticava aqueles “fantoches do governo” que “trabalham pouco, pensam pouco. Mas querem progresso, o progresso que veem, encantados, nas fitas americanas. E progridem sem tomar fôlego. Numa casa velha de taipa arranjam uma sala bonita e metem dentro quadros, cortinas e penduricalhos”. (RAMOS, Graciliano. Garranchos. Organização de Thiago Mio Salla. Rio de Janeiro: Record, 2012, p. 116). Enfim, enquanto o tônus literário modernista da primeira fase caracterizava-se pelo estilo corrosivo de crítica política, o modernismo da segunda fase apresentava uma estética por vezes equilibrada entre atuação intelectual e procedimento poético, sem prejuízos significativos para o texto ficcional. (Por: Erick da Silva Bernardes).
Morte do autor: Longe daquilo que o senso comum costuma postular, este termo criado pelo teórico Roland Barthes visa refletir sobre a questão da voz dos textos literários partindo da relação de três protagonistas responsáveis pela realização deste tipo de texto: o autor, o leitor e a escrita (ou “voz do texto”). Barthes inicia sua reflexão mostrando que a voz que predomina no texto literário é neutra. Ela se estabelece a partir do ato de representação exercido pela escrita. Assim, a fala passa a pertencer à linguagem, torna-se neutra, desconstruindo qualquer tipo de identidade própria e, por consequência, a ideia de pertencimento (do discurso) ao autor. Essa voz neutra a que o teórico se refere faz-se presente através da linguagem praticada pelos personagens ficcionais, que são antes sujeitos esvaziados pelos símbolos do que pessoas da realidade extratextual. A ideia de pertencimento ao autor, segundo o crítico, gera a destruição do código, melhor, nos leva ao pensamento de que sua voz é a origem do texto, o real lugar da escrita. Para Barthes o único lugar da escrita é reservado ao leitor, pois, a partir do jogo da linguagem que o é oferecido, ele, apenas ele, pode tornar vivo o texto ao ler e interpretar de acordo com suas experiências próprias. Desta forma, conclui Barthes que “o nascimento do leitor tem de pagar-se com a morte do autor”, pois escritor e texto tem origem conjunta, podendo o escritor postar-se como leitor de seu próprio texto, nunca como dono. Em outras palavras, a morte do autor é necessária à realização do texto, pois já não é o autor quem fala, mas sim uma voz nula que fala em tons diferentes no ato da leitura, que é a força realizante da literatura. O autor apenas é o responsável por imaginar, selecionar e juntar elementos que, por meio do jogo com a linguagem (Semiosis), ganha força própria dizendo sempre algo mais sobre si própria. (Por: Aídes José Gremião Neto)
Narrador autodiegético: Este tipo de narrador caracteriza-se como aquele que, ao narrar uma história, nela coloca-se no centro, isto é, narra a si próprio e os eventos de que toma parte como ator principal. (Por: Felício Dias)
Narrador heterodiegético: Caracteriza-se como heterodiegético o narrador que não se insere na história narrada como participante, sendo dela onisciente, ou seja, distanciado, como uma espécie de câmera fotográfica, que vai apresentando aos leitores detalhes da psicologia dos personagens, estabelecendo relações entre os fatos vividos e os fatos narrados, descrevendo, perscrutando etc. Geralmente marcado pela terceira pessoa do verbo, no entanto é capaz de conceder voz, através dos discursos indireto e indireto livre, a seus personagens, que com ele por vezes dividem a narração, a qual, entretanto controla, como uma instância superior que a tudo resenha e seleciona. (Felício Dias)
Narrador homodiegético: Caracteriza-se como homodiegético o narrador que é participante da história que narra. No entanto, não sendo personagem principal da matéria narrada, mas uma espécie de testemunha ocular dos fatos divide a história com outros personagens, geralmente centrais na trama, bem como com os diversos outros personagens, os quais estão subordinados à sua visão, ora privilegiada, ora confusa ou incerta a respeito dos fatos que narra. (Por: Felício Dias)
Narratário intradiegético e extradiegético: O narratário é o destinatário da narrativa que pode ser visível ou não dentro da trama. O narratário intradiegético caracteriza-se como a entidade ou personagem inserida no texto a quem se dirige o relato, sendo assim identificável e mencionado. Já o narratário extradiegético, ao contrário do intradiegético, não é mencionado e nem identificável no texto. Em Nove noites, de Bernardo Carvalho, é possível encontrar exemplos de ambos os narratários. Em uma carta de Buell Quain destinada a Maria Júlia Purchet, personagem a qual está inserida na narrativa, temos um exemplo de narratário intradiegético:
Prezada dona Júlia,
Este é apenas um bilhete. Parto nas próximas duas horas para a aldeia Krahô. Estamos esperando algumas calças e camisas. Eu e um grupo de índios Krahô que estava em Carolina quando cheguei. As calças e camisas são para eles. Não gosto de lhes dar roupas, pois ficam bem melhor sem elas – mas eles insistem (Carvalho. Bernardo. Nove noites. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 25).
Já um exemplo que contemple o narratário extradiegético pode ser encontrado na carta que, sem destinatário mencionado ou identificável, inicia a obra:
Isto é pra quando você vier. É preciso estar preparado. Alguém terá que preveni-lo. Vai entrar numa terra em que a verdade e a mentira não têm mais os sentidos que o trouxeram até aqui. Pergunte aos índios. Qualquer coisa. O primeiro que lhe passar pela cabeça. E amanhã, ao acordar, faça de novo a mesma pergunta (Carvalho, 2006, p. 6). (Por: Felício Dias)
Narrativa autoconsciente: Modo narrativo cujo processo de construção enfatiza o próprio enunciado, em que o texto discorre sobre o fazer literário; o ato de escrever, propriamente dito. Segundo Antonio Candido (Ficção e confissão: ensaios sobre Graciliano Ramos. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2012, p. 129), a maneira autoconsciente de se narrar apresenta-se em dois planos projetados em níveis diferentes. Há um movimento no qual pretende-se contar “no nível da fantasia” uma certa história, “enquanto sem querer vai construindo, no nível da (suposta) realidade” o relato da experiência de vida da personagem, o romance pretensamente vivido “engole o romance projetado”. Nesse tipo de composição textual, há predominância da metalinguagem. Sua função é ressaltar ao leitor seus próprios mecanismos de produção. Como exemplo, na obra de Graciliano Ramos, esse artifício literário foi recorrente. Em Caetés, o ato de escrever permeia toda a temática romanesca, ou seja, em síntese é o próprio assunto a ser narrado: “Também aventurar-me a fabricar um romance histórico sem conhecer história! Os meus caetés realmente não têm verossimilhança, porque deles apenas sei que existiram, andavam nus e comiam gente. Li, na escola primária, uns carapetões interessantes no Gonçalves Dias e no Alencar, mas já esqueci quase tudo. Sorria-me, entretanto, a esperança de poder transformar esse material arcaico numa brochura de cem a duzentas páginas, cheia de lorotas em bom estilo, editada no Ramalho”. (RAMOS, Graciliano. Caetés. 7. ed. São Paulo: Livraria Martins, 1965, p. 85). (Por: ÉrickBernardes)
Narrativa epistolar: Diz-se das histórias narradas por cartas. É um gênero literário em formato missivo que pode apresentar variações, como nos e-mails, diários, nas notas jornalísticas etc. Esse termo refere-se ao discurso subjetivo por natureza, pois evidencia não só sobre quem ou o que se narra, mas a intimidade do próprio narrador. Apresenta, por vezes, mais de um narrador. Um bom exemplo de narrativa epistolar é Moll Flandres, de Daniel Defoe, cuja obra é estruturalmente composta por discursos em forma de correspondências, como no exemplo: “Meu verdadeiro nome é bastante conhecido nos arquivos ou registros de prisões de Newgate e Old Bailey” (DEFOE, Daniel. Moll Flanders. São Paulo: Abril Cultural, 1971, p. 21). (Por: Érick Bernardes)
Narrativas de memória: Sumariamente, a memória pode ser descrita como um relato de uma ou mais ações, o que não explica, em sua inteireza o fenômeno. Memórias também podem ser descritas como reminiscências narradas ou estratégia de produção textual de natureza autobiográfica. Graciliano Ramos, por exemplo, aplica tal procedimento em Infância e Memórias do cárcere. Por exemplo, no primeiro romance, o narrador apresenta um mosaico textual de digressões e anacronias autobiográficas, conforme o exemplo: “Naquele tempo a escuridão se ia dissipando, vagarosa. Acordei, reuni pedaços de mim mesmo que boiavam no passado confuso, articulei tudo, criei o meu pequeno mundo incongruente. Às vezes as peças se deslocavam – e surgiam estranhas mudanças” (RAMOS, Graciliano. Infância. Rio de Janeiro: MEDIAfashion, 2008, p. 17). Já em Memórias do cárcere, Ramos segue uma cronologia linear das lembranças de quando Ramos esteve preso: “Subi, entrei num quarto imundo. Paredes nojentas, papéis sujos a amontoar-se, a espalhar-se no chão, ausência de água, o ambiente mais sórdido que se possa imaginar. Difícil tratar desse ignóbil assunto, nunca em livro se descerram certas portas” (RAMOS, Graciliano. Memórias do cárcere. Rio de Janeiro: Record, 2011, p. 169). (Por: Érick Bernardes)
Narratologia: Em linhas gerais, a narratologia é um conjunto de regras subjacentes à superfície da narrativa. O termo designa o funcionamento da narrativa, permitindo a normatização de seus mecanismos. Funcionando como uma espécie de gramática do texto narrativo, a narratologia reflete criticamente acerca da estrutura narrativa, visando à delimitação de aspectos que não só distingam os textos narrativos entre si, como também aqueles que se diferenciem dos textos de outra natureza, como o poético, por exemplo. Em outras palavras, a narratologia investiga os meandros da narrativa, buscando reconhecer-se como recurso formal. Assim, a narratologia procura elaborar um estudo que envolva todos os elementos inerentes à narrativa, inclusive o leitor – como nos aponta Roland Barthes, ao assinalar que a voz da narrativa é a própria voz da leitura – passando ainda pelo tempo, personagem, narrador etc. É válido observar que a narratologia não é objeto de investigação exclusivo dos estudos atuais, tendo sua origem desde o formalismo russo, por volta dos anos 1920. A. J. Greimas, Vladimir Propp, além do já citado Roland Barthes, Gérard Genette e Umberto Eco, dentre outros, são teóricos vinculados às teorias na narratologia. (Por: Aídes José Gremião Neto)
Paratopia. Na seara da literatura, é uma designação pensada por Dominique Maingueneu para tratar do ‘lugar’ incerto, dicotômico e dialógico do qual escrita e escritor fazem parte. Essa designação nos ajuda a entender que não pode haver sistematizações discursivas, nem na constituição do próprio discurso literário, nem na crítica literária, pois as zonas que a literatura abrange são inesgotáveis. Leitor, autor e mercado são os eixos principais para a ocorrência daquilo que entendemos por literatura e que, por depender de esferas distintas para sua concretização, constitui-se como objeto paratópico. O escritor se encontra nesta mesma situação “paratópica”, pois sua firmação institucional no campo intelectual depende não só da aceitação de diferentes entidades (leitores, editoras, críticas etc.) como de sua relação difusa entre vida e composição discursiva. (Por: Aídes José Gremião Neto).
Poética. Poética é o estudo das obras literárias que tem como objetivo esclarecer as características gerais delas. Ela está presente na arte da literatura como por exemplo, mimesis ou na diegesis. Também pode ser definida como a ação de elaborar composições poéticas com técnicas de utilização de versos, sendo mais conhecida por esta última definição. Este sistema que analisa, descreve e classifica obras de arte verbal é vulgarmente denominado teoria da literatura, contemporaneamente. Poética é também o título de um dos tratados de Aristóteles. A língua poética se caracteriza por escolhas quantitativas e qualitativas, sendo uma espécie de doutrina que faz da arte o próprio fim da arte. (Por: Julía Guimarães)
Prolepse: Tipo de anacronia narrativa. Também chamada de anacronia por antecipação. Consiste em contar um acontecimento antes do momento em que ele normalmente se situa na ficção, com intuito principal de captar a atenção do leitor. Ocorre ainda em certos romances ou filmes policiais. Na obra de Bernardo Carvalho, é um recurso recorrente. É comum na trama a antecipação de elementos que só serão percebidos pelo leitor mais adiante na narrativa. Em Nove noites, esse recurso, aliado à analepse, estruturam o intricado jogo temporal que pretende levar o leitor a questionamentos históricos que não se resolvem de maneira segura e/ou confortável. (Por: Paulo César)
Romance epistolar: Primeiramente, é de fundamental importância investigar a possível gênese desse tipo de ficção que, como outras, modificou o cenário literário mundial. A palavra epistolar origina-se do latim epistolaris, que, por sua vez, significa aquilo que é relativo à carta, epístola. Não devemos desconhecer que, se epistolar é aquilo que se relaciona às cartas, o romance epistolar seria o tipo de romance construído a partir delas. Entretanto, é válido ressaltar que a epístola pode designar uma espécie de poema cultivado na idade antiga, antes de Cristo. Este tipo de poema geralmente é dirigido a um amigo, amante ou mecenas e trata de assuntos sentimentais, românticos, filosóficos e morais , na maioria das vezes, num tom familiar. Contudo, devemos atentar para o fato de que isso está longe de ser um indício de romance epistolar. É somente no mundo moderno, por volta do século XVI, com autores como John Donne, Alexander Pope e Petrarca, que emergirão os primeiros sinais do romance epistolar. Já no século XVIII, esse gênero literário se promulgará, culminando com a criação da própria forma romance, com autores como Henry Fielding, Toni Richardson e Goethe. A comunicação por meio de cartas era recorrente, principalmente na Europa do século XVIII. A partir daí, houve uma mescla dessa prática social de linguagem ao caráter mimético das práticas literárias, formando o que chamamos de romance epistolar. Sua aceitação pela sociedade foi unânime e isso pode ter ocorrido em função do reconhecimento por parte do leitor de um sentimento de familiaridade que a carta sugere, visto não só ser prática recorrente como também pelo caráter de aproximação e confissão, focalizado em um “eu” – que não é confundido com o autor, e que conta algo sobre si ou sobre sua percepção do mundo. Assim, surge e floresce este gênero literário. A verossimilhança é outro dado que exige deste tipo de ficção o uso da primeira pessoa, porém isso não significa que ele se restringe a uma voz que o domine. Ao contrário, o caráter comunicativo das cartas confere ao romance epistolar um aspecto ainda mais polifônico, pois o leitor tende a se aventurar num mundo dialógico da literatura, que carrega um tom particular, confessional, de certas experiências, recortadas pela tentativa de representação do real. Um dos mais famosos exemplos do romance epistolar é a obra As ligações perigosas, de Choderlos de Laclos. (Por: Aídes José Gremião Neto)
Romance de formação (Bildungsroman): O teórico K. Morgenstern, no início do século XIX, cria o termo Bildungsroman para designar um ‘novo’ tipo de ficção. O termo é fruto fundamentalmente das observações das obras de Goethe como, por exemplo, o Wilhelm Meisters Lehrjahre (Os anos de aprendizagem de Wilhelm Meister) (1795‑96). Vemos, entretanto, que o Bildungsroman finca suas raízes apenas no Romantismo, revelando-se de modo claro no que diz respeito à suas caraterísticas estruturantes. Em outras palavras, observamos que este tipo de ficção estabelece seus aspectos temáticos e formais apenas no Romantismo. Assim, é comum encontrar num Romance de formação uma articulação entre o subjetivo e o que lhe é exterior, isto é: sempre há um jogo conflituoso entre o indivíduo particular e a sociedade burguesa. De modo mais detalhado, podemos dizer que, se o Bildungsroman, no momento de sua origem, refletia a temática do individual com o intuito de resguardar a humanidade, já no ideário romântico ele assinala antes para uma densa dialética entre indivíduo e sociedade. Desta forma, neste tipo de ficção, é comum depararmos um protagonista jovem, do sexo masculino, que, em plena construção identitária, encontra-se num embate com o meio em que vive. Recusando-se a um posicionamento pacifico frente à sociedade, o ‘herói’, inevitavelmente, deixa-se marcar pelas experiências ao passo em que vai moldando sua maturidade até alcançar um equilíbrio, tal qual o inicial e um tanto quanto difícil de entender. O percurso instável da estrutura desta forma romanesca, demarcado pela perspectiva conflituosa do enredo que aponta para uma espécie de autoconhecimento do protagonista, assinala uma inversão do tempo histórico num tempo introspectivo. Por este viés, o Bildungsroman reflete, sobretudo, um encontro da subjetividade com si própria num momento de reflexão que desencadeia um entendimento de mundo mais amplo e híbrido, visto que o conflito existente entre o ser e o corpo social gera uma soma de experiências desordenadas que se agrupam para formar a identidade desse ser. Daí, pois, origina-se uma inquietante relação entre uma realidade empírica e uma possibilidade de realidade – neste caso, quando o protagonista tenta sobrepujar as barreiras impostas pela sociedade para criar uma possibilidade para si mesmo – o que se relaciona ao próprio aspecto utópico da forma literária de uma tentativa de representação do real. Se este tipo de ficção preocupa-se em focalizar a dimensão interior da personagem, na busca de uma identidade elaborada a partir da relação contínua com o externo, e, desta maneira, confere relevância maior ao processo da narrativa, vemos que há certa aproximação com o romance autobiográfico. Porém, é válido ressaltar que, no Bildungsroman o foco é inteiramente voltado àquilo que é comum ao ser humano, sem referências indiretas a um determinado ser do mundo empírico. (Por: Aídes José Gremião Neto)
Romance histórico: O Romance Histórico é um tipo de ficção cuja estrutura encontra-se nitidamente na mescla de ficção e História. Este tipo de literatura surgiu no século XIX, em pleno Romantismo, e até os tempos atuais permeia o campo da literatura. Assim, nos Romances históricos em geral temos uma história ficcional em dado tempo ou espaço da História ou, ainda, um tempo ou espaço ficcionais em que atuam personagens históricos ficcionalizados. Em geral, pode-se dizer que no Romance Histórico há uma reconstrução de personagens, costumes, ambientes e situações Históricas. A combinação pode ser feita de inúmeras maneiras, porém os dados e situações históricas – como nome dos personagens, os espaços, o tempo etc. – tendem a corresponder com a realidade empírica, claro, dentro da lógica da ficção. Em outras palavras, há pistas diretas da História na ficção, diferente do que ocorre na metaficção historiográfica, em que os dados históricos costumam permear a ficção de forma indireta a sugerir possibilidades, sem necessariamente revelá-las aos olhos mais desatentos. Tais possibilidades nos são sugeridas sempre com um tom crítico, revelando um olhar para o passado a partir do presente, ou melhor, elas recorrem ao passado com a visão cética dos tempos atuais. Portanto, neste tipo de ficção cabe ao leitor descortinar a História por detrás da ficção, enquanto que naquela os fatos históricos lhes são dados diretamente a partir de referências claras. Vale ressaltar que o Romance Histórico surgiu numa época de plena mudança, tanto no âmbito social como no econômico. A sociedade estava mudando sua forma de pensar, ao passo que os indivíduos sentiam necessidade de reconhecerem-se como indivíduos históricos e isso, por consequência, teve seu reflexo na seara da literatura. (Por: Aídes José Gremião Neto)
Sincronia. Diz-se, de modo geral, do que é simultâneo. Esta palavra tem um sentido lato, mas, a depender de sua aplicação, ela pode assumir alguns significados. Na seara dos estudos da linguagem, ao ser aplicada para tratar de um desdobramento de uma dada língua ou estilo de época (literário), ela pode referir-se ou a uma concomitância de características comuns ou a uma consecutividade temporal. Por exemplo, estudar uma língua em uma perspectiva sincrônica implica estabelecer um recorte temporal bem amarrado e delimitado de seu material de estudo, ou ainda, ver algo de maneira sincrônica, como em relação aos aspectos de uma escola literária, é estabelecer uma linearidade temporal de maneira que não exista um entrelaçamento de tempos em que a ‘coisa’ analisada possa ter ocorrido. (Por: Aídes José Gremião Neto).
Sociologia da literatura: Termo designativo das relações entre literatura e sociedade. Abordagem sociológica do texto literário, bem como suas reflexões e indagações que compreendem o discurso literário como representação da realidade e o indivíduo. Há escritores os quais servem-se da Sociologia da literatura como método de análise dos seus textos teóricos como, por exemplo, Afrânio Coutinho, Antonio Candido, Erich Auerbach, dentre outros. Esses críticos visam problematizar o mundo circundante e pensar a obra literária como um entrelaçamento de fatores sociais somado à técnica da fabulação. As primeiras manifestações do necessidade de compreender a sociedade para consequentemente entender o objeto artístico, remontam ao século XIII, mais especificamente sob o advento da Revolução Francesa, passando por Madame de Staël, com sua obra De la littérature considerée dans ses rapports avec les institutions sociales (1800), até Georg Lukács (1963), com A teoria do romance, chegando aos dias de hoje, com as correntes multiculturalistas. Segundo Antonio Candido, “[...] falar em ponto de vista sociológico nos estudos literários deveria significar coisa bastante diversa do que foi há cinquenta anos [...] O perigo, tanto na sociologia quanto na crítica, está em que o pendor pela análise oblitere a verdade básica, isto é, que a precedência lógica e empírica pertence ao todo, embora apreendido por uma referência constante à função das partes. Outro perigo é que a preocupação do estudioso com a integridade e a autonomia da obra exacerbe, além dos limites cabíveis, o senso da função interna dos elementos, em detrimento dos aspectos históricos, — dimensão essencial para apreender o sentido do objeto estudado”. (CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2006, p. 17). Essas contribuições de cunho sociológico viabilizaram investigações acerca das relações entre literatura e sociedade em seus limites disciplinares, mas também dialogaram com outros saberes. Logo, acerca deste artefato intelectual que é a escrita literária notamos a relação entre o artista, o leitor e o texto estreitarem-se cada vez mais, evidenciando a importância da sociologia para a literatura. Portanto, a sociologia da literatura é o método de abordagem literária que impulsiona modos de produção textual para que a obra literária dialogue com as questões presentes em nosso cotidiano. (Por: Erick da Silva Bernardes).