A maçã envenenada, de Michel Laub
LAUB, Michel. A maçã envenenada. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
Michel Laub é escritor, jornalista e advogado brasileiro, natural de Porto Alegre, nascido em 1973. Seu primeiro romance publicado foi Música anterior, lançado em 2001. Sua carreira literária compõe-se de sete obras publicadas, incluindo a coletânea de contos Não depois do que Aconteceu, de 1998.
A maçã envenenada (2013), seu mais recente romance, publicado pela Companhia das Letras, é o segundo livro de uma trilogia iniciada com o romance Diário da queda (2011). Em A maçã envenenada, Laub se concentra no tema da sobrevivência e do suicídio, ficcionalizando eventos históricos ocorridos em 1994, dentre eles, o genocídio em Ruanda e o suicídio do cantor norte-americano Kurt Cobain.
Com uma narrativa que oscila entre passado e presente, a obra é a história de um narrador-protagonista não nomeado que revisita suas memórias, refletindo sobre sua própria vida e sobre os eventos que se desenrolam a sua volta. Em sua juventude, em 1993, ele é um jovem que planeja ir ao show do Nirvana, no Morumbi, com sua namorada Valéria. Porém, ele está servindo ao exército e, de serviço no quartel, corre o risco de ser preso caso fuja para ver o show. Já em sua maturidade, o narrador-protagonista está prestes a entrevistar a ruandesa Immaculée Ilibagiza, personagem homônima à verdadeira figura histórica.
O romance é constituído por uma estrutura em que o narrador se apresenta, ora como autodiegético, contando a história do ponto de vista do personagem principal, e outras vezes se comportando como uma espécie de narrador homodiegético, quando narra na primeira pessoa do singular, sem ser necessariamente o foco central de sua própria história. Através de uma narrativa curta, podemos notar uma trama entrecortada, como um quebra-cabeça que só se encaixa ao final da leitura. Além disso, é importante ressaltar que não encontramos na obra uma linearidade temporal. A prosa é composta por vaivéns narrativos, que podemos chamar de “discronia”.
Os sujeitos criados por Laub em A maçã envenenada não possuem qualquer heroísmo clássico. São personagens sem rumo, que quase sempre retomam as suas memórias para revisitar seus dramas vividos sob uma forma de trauma a ser libertado. Essas particularidades do homem contemporâneo levantam questionamentos a respeito do papel do sujeito na sociedade globalizada.
Em relação à ficcionalização dos eventos históricos, temos duas personagens históricas que fazem parte da composição da obra, impactando a vida do narrador-protagonista: Kurt Cobain e Immaculée Ilibagiza. Sendo assim, é importante entender que os fatos representados na obra destacam elementos do real e que fazem parte daquela ficção, embora não sendo a realidade pura e simples, mas a construção de um imaginário. Portanto, o real neste romance provoca uma reorganização de seus elementos dentro da narrativa ficcional.
Em A maçã envenenada, Michel Laub trabalhou a realidade desses mundos opostos. Por um lado, encontramos Kurt Cobain, astro do rock e vocalista da banda norte-americana Nirvana. Cobain teve um relacionamento conturbado com a também cantora Courtney Love, com quem teve uma filha. Rapidamente, Cobain conquistou a fama e tornou-se ídolo pop de toda uma geração. Só que isso acabaria por afetar sua vida emocional, tornando-o depressivo e levando-o ao suicídio.
Em contrapartida, Laub ficcionaliza a figura de Immaculée Ilibagiza. A personagem apresentada refere-se à figura histórica da ruandesa pertencente ao grupo étnico tutsis. Immaculée era estudante universitária, à época dos ataques dos hútus (grupo rival) contra os tutsis. A ordem do governo era que os hútus exterminassem todos os tutsis, sem restrição de idade. Graças à ajuda de um pastor local, Immaculée se escondeu por vários dias em um pequeno banheiro, na esperança de escapar do massacre.
Através da perspectiva do narrador em relação a cada personagem, entendemos sua visão em relação aos acontecimentos apresentados. O ídolo de sua juventude foi Cobain, um sujeito que desiste da vida mesmo sendo aquele que alcançou sucesso e fama em uma sociedade de consumo. Immaculée, ao contrário, é uma jovem que ele conhece em uma entrevista, e que vem de uma realidade totalmente diversa em que, mesmo agarrada a um fiapo de esperança, decide lutar para sobreviver.
Percebemos no romance que ambas as histórias influenciaram diretamente as ações do protagonista, pois ele percebe, através de reflexões e observações, como suas ações passadas e sua formação reverberam no presente, conforme constatamos na seguinte passagem:
O acidente aconteceu por causa da bebida, a viagem a Londres por causa do acidente, a mudança de profissão por causa da viagem a Londres, a saída de Porto Alegre por causa da mudança de profissão, e as coisas que fiz e a pessoa que me tornei por causa disso tudo [...] (LAUB, 2013, p. 118-119).
Na busca por dar sentidos ao enredo, o leitor notará, por meio dos eventos ficionalizados, os aparatos históricos e culturais da época ficcionalizada, e que são capazes de situar a representação literária de tempo e espaço.
Na leitura do romance A maçã envenenada, destacamos a importância de se discutir as questões levantadas pela obra, entendendo que é necessário atentarmos para a centralidade das discussões acerca do homem contemporâneo em sua complexidade. A destinação histórica do romance, com seu duplo viés – a visão mais intimista, concentrada no drama individual de Kurt Cobain e olhar mais abrangente, que retoma o genocídio de Ruanda na figura de Immaculée Ilibagiza – requer leitura atenta, a que leitores interessados podem se lançar, na certeza de serem recompensados por uma narrativa singular e em sintonia com as vias e desvios do mundo globalizado.
Referências bibliográficas:
LAUB, Michel. Não depois do que aconteceu. Porto Alegre: Instituto Nacional do Livro, 1998.
______. Música anterior. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
______. Diário da queda. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
______. A maçã envenenada. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
LAUB, Michel. A maçã envenenada. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
Michel Laub é escritor, jornalista e advogado brasileiro, natural de Porto Alegre, nascido em 1973. Seu primeiro romance publicado foi Música anterior, lançado em 2001. Sua carreira literária compõe-se de sete obras publicadas, incluindo a coletânea de contos Não depois do que Aconteceu, de 1998.
A maçã envenenada (2013), seu mais recente romance, publicado pela Companhia das Letras, é o segundo livro de uma trilogia iniciada com o romance Diário da queda (2011). Em A maçã envenenada, Laub se concentra no tema da sobrevivência e do suicídio, ficcionalizando eventos históricos ocorridos em 1994, dentre eles, o genocídio em Ruanda e o suicídio do cantor norte-americano Kurt Cobain.
Com uma narrativa que oscila entre passado e presente, a obra é a história de um narrador-protagonista não nomeado que revisita suas memórias, refletindo sobre sua própria vida e sobre os eventos que se desenrolam a sua volta. Em sua juventude, em 1993, ele é um jovem que planeja ir ao show do Nirvana, no Morumbi, com sua namorada Valéria. Porém, ele está servindo ao exército e, de serviço no quartel, corre o risco de ser preso caso fuja para ver o show. Já em sua maturidade, o narrador-protagonista está prestes a entrevistar a ruandesa Immaculée Ilibagiza, personagem homônima à verdadeira figura histórica.
O romance é constituído por uma estrutura em que o narrador se apresenta, ora como autodiegético, contando a história do ponto de vista do personagem principal, e outras vezes se comportando como uma espécie de narrador homodiegético, quando narra na primeira pessoa do singular, sem ser necessariamente o foco central de sua própria história. Através de uma narrativa curta, podemos notar uma trama entrecortada, como um quebra-cabeça que só se encaixa ao final da leitura. Além disso, é importante ressaltar que não encontramos na obra uma linearidade temporal. A prosa é composta por vaivéns narrativos, que podemos chamar de “discronia”.
Os sujeitos criados por Laub em A maçã envenenada não possuem qualquer heroísmo clássico. São personagens sem rumo, que quase sempre retomam as suas memórias para revisitar seus dramas vividos sob uma forma de trauma a ser libertado. Essas particularidades do homem contemporâneo levantam questionamentos a respeito do papel do sujeito na sociedade globalizada.
Em relação à ficcionalização dos eventos históricos, temos duas personagens históricas que fazem parte da composição da obra, impactando a vida do narrador-protagonista: Kurt Cobain e Immaculée Ilibagiza. Sendo assim, é importante entender que os fatos representados na obra destacam elementos do real e que fazem parte daquela ficção, embora não sendo a realidade pura e simples, mas a construção de um imaginário. Portanto, o real neste romance provoca uma reorganização de seus elementos dentro da narrativa ficcional.
Em A maçã envenenada, Michel Laub trabalhou a realidade desses mundos opostos. Por um lado, encontramos Kurt Cobain, astro do rock e vocalista da banda norte-americana Nirvana. Cobain teve um relacionamento conturbado com a também cantora Courtney Love, com quem teve uma filha. Rapidamente, Cobain conquistou a fama e tornou-se ídolo pop de toda uma geração. Só que isso acabaria por afetar sua vida emocional, tornando-o depressivo e levando-o ao suicídio.
Em contrapartida, Laub ficcionaliza a figura de Immaculée Ilibagiza. A personagem apresentada refere-se à figura histórica da ruandesa pertencente ao grupo étnico tutsis. Immaculée era estudante universitária, à época dos ataques dos hútus (grupo rival) contra os tutsis. A ordem do governo era que os hútus exterminassem todos os tutsis, sem restrição de idade. Graças à ajuda de um pastor local, Immaculée se escondeu por vários dias em um pequeno banheiro, na esperança de escapar do massacre.
Através da perspectiva do narrador em relação a cada personagem, entendemos sua visão em relação aos acontecimentos apresentados. O ídolo de sua juventude foi Cobain, um sujeito que desiste da vida mesmo sendo aquele que alcançou sucesso e fama em uma sociedade de consumo. Immaculée, ao contrário, é uma jovem que ele conhece em uma entrevista, e que vem de uma realidade totalmente diversa em que, mesmo agarrada a um fiapo de esperança, decide lutar para sobreviver.
Percebemos no romance que ambas as histórias influenciaram diretamente as ações do protagonista, pois ele percebe, através de reflexões e observações, como suas ações passadas e sua formação reverberam no presente, conforme constatamos na seguinte passagem:
O acidente aconteceu por causa da bebida, a viagem a Londres por causa do acidente, a mudança de profissão por causa da viagem a Londres, a saída de Porto Alegre por causa da mudança de profissão, e as coisas que fiz e a pessoa que me tornei por causa disso tudo [...] (LAUB, 2013, p. 118-119).
Na busca por dar sentidos ao enredo, o leitor notará, por meio dos eventos ficionalizados, os aparatos históricos e culturais da época ficcionalizada, e que são capazes de situar a representação literária de tempo e espaço.
Na leitura do romance A maçã envenenada, destacamos a importância de se discutir as questões levantadas pela obra, entendendo que é necessário atentarmos para a centralidade das discussões acerca do homem contemporâneo em sua complexidade. A destinação histórica do romance, com seu duplo viés – a visão mais intimista, concentrada no drama individual de Kurt Cobain e olhar mais abrangente, que retoma o genocídio de Ruanda na figura de Immaculée Ilibagiza – requer leitura atenta, a que leitores interessados podem se lançar, na certeza de serem recompensados por uma narrativa singular e em sintonia com as vias e desvios do mundo globalizado.
Referências bibliográficas:
LAUB, Michel. Não depois do que aconteceu. Porto Alegre: Instituto Nacional do Livro, 1998.
______. Música anterior. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
______. Diário da queda. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
______. A maçã envenenada. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.